terça-feira, 15 de junho de 2010

A IGREJA DE OURO DE TAIÓ

Foto batida com uma antiga Olympus Trip, em 1977, sem recurso nenhum. Daquelas econômicas, que usava apenas meio fotograma nos filmes de 35 mm.

Em Taió tem uma igreja de ouro.
A primeira coisa que eu me lembro é que nela levei um tapa na cara de uma freira velha. Tão velha que hoje deve estar dando trompaços no Diabo, com o qual tanto nos amedrontava.
Tomei ali a primeira comunhão com um padre que depois virou bispo e curandeiro e hoje é aposentado. Mas é muito considerado, não sei se por um motivo ou por outro.
Eu passava mal nos domingos de manhã por causa do jejum de três horas. Depois reduziram para uma, mas a fome era a de uma noite inteira: quem iria se levantar uma hora mais cedo aos domingos? A missa não acabava nunca...
O padre Eduardo, que xingava mulheres e cachorros, esticava no final com mais três Ave-Marias, um Pai-Nosso e uma Salve-Rainha. Decerto pecávamos demais.
Mas as missas se tornaram mais agradáveis depois, nos sábados à noite. Eu, adolescente garboso e desajeitado – os adolescentões podem ser uma e outra coisa ao mesmo tempo –, ia ver as gurias. Uma, principalmente, que partiu e me partiu no dia 05 de junho do ano que não acabou.
Depois me recompus e, ainda estudante universitário, voltei a Taió para me casar na igreja de ouro. Sou casado até hoje. Com a mesma mulher!
Batizei lá meu primeiro afilhado, depois velei minha mãe e mais tarde batizei minha filha. Dois irmãos casaram-se nela e estão casados até hoje. Com as mesmas respectivas mulheres. Alguns de seus filhos também foram batizados naquela igreja.
Sempre, daí, o padre Moacir, um sacerdote com estampa de santo.
Sinto-me feliz porque tive oportunidade de lhe escrever uma carta dizendo exatamente isto. Ele não deu a mínima importância.
Mais tarde, em 1990, ele morreu, ainda moço, porque não tinha tempo de ir ao dentista. Um dia infeccionou-lhe um dente e resolveu fazer um tratamento nada ortodoxo com o próprio canivete. Septicemia. Fulminante.
No dia 25 de abril de 1984 – “diretas já!” e aniversário da Revolução Portuguesa – ali velei meu pai.
Depois, no mesmo ano, nasceu meu filho. Foi ainda o padre Moacir que o batizou. Mas não naquela igreja.
Alguns ciclos se quebram naturalmente. Outros, por vontade nossa.
É bom, para que não se tornem viciados.

Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,em 17/06/2004

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